“Promotoria pede prisão de líder da Igreja Apostólica
Ele é suspeito de abuso sexual; fiéis negam
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, Gaeco, do Ministério Público de São Paulo, pediu ontem a prisão preventiva de Aldo Bertoni, 85, conhecido como ‘Irmão Aldo’, principal líder religioso da Igreja Apostólica (IA).
Bertoni é suspeito, segundo a investigação criminal, de usar sua autoridade religiosa para constranger mulheres fiéis a praticar atos libidinosos, incluindo conjunção carnal. Vários atos teriam sido praticados como parte de tratamento milagroso para doenças físicas.
O pastor Nilson Bittencourt Cairolli, 68, falando em nome da igreja, disse que as acusações são falsas, que ‘não há uma só prova delas além dos testemunhos das supostas vítimas’.
Segundo Cairolli, as acusações provêm de um grupo de ‘umas 50 pessoas’ que, desligadas da IA há cinco anos ‘por comportamento em desacordo com a fé, encheram-se de ódio. ‘Eles juraram que fechariam a igreja. O objetivo deles é fundar uma igreja com o que sobrar da Apostólica’, acusa.
A denúncia do Gaeco contém os relatos de oito mulheres que teriam sido atacadas por Bertoni. Em um dos casos, as agressões teriam ocorrido em diversas ocasiões entre os anos de 1985 e 2004 (…)
Fundada há 57 anos no Tatuapé (zona leste de São Paulo) por uma tia de Bertoni conhecida entre os fiéis por ‘Vó Rosa’, a Apostólica defende a crença de que o líder acusado é ‘um santo, um profeta’. Fiéis aprendem vários hinos em louvor do ‘Irmão Aldo’. A igreja conta com 260 templos espalhados pelo Brasil, reunindo um rebanho de mais de 100 mil fiéis. A Apostólica também veicula um programa diário de rádio, ‘A Hora Milagrosa’”
Podemos usar essa matéria para aprendermos dois pontos importantes:
Primeiro, o fato de alguém ser padre, pastor, bispo etc não quer dizer que ele comete um crime diferente daquele que as outras pessoas teriam cometido se houvessem agido da mesma forma. Seu sacerdócio, profissão ou hobby não faz com que um crime de natureza sexual deixe de existir.
A matéria diz que ele é suspeito de usar sua “autoridade religiosa para constranger mulheres fiéis a praticar atos libidinosos, incluindo conjunção carnal”. Praticar conjunção carnal (penetração do pênis na vagina) ou outros atos libidinosos (por exemplo sexo oral e anal) com alguém sem sua autorização é estupro. Não importa se a pessoa é líder de uma seita religiosa (vale lembrar: não existe o crime de 'abuso sexual', e por isso ninguém pode ser suspeito, indiciado ou acusado por esse crime).
Já se a pessoa aceitou fazer sexo com alguém mas ela foi enganada em relação à identidade ou as circunstâncias e só consentiu por causa desse engano, temos um outro crime: a violação sexual mediante fraude. Se Mariazinha te convence a fazer sexo com ela porque ela é famosa e depois você descobre que ela estava mentindo, você não foi forçado a fazer sexo com ela, mas você foi iludido, e isso é uma violação sexual mediante fraude. Esse também é o caso do famoso ‘teste do sofá’, em que alguém se faz passar por diretor para convencer a pretendente a atriz a fazer sexo com ele, prometendo seleciona-la para a próxima novela. O mesmo ocorre se alguém se faz passar por curandeiro e convence a vítima a fazer sexo com ele para tirar o capeta do corpo dela. Não importa o tipo de sexo que foi feito e o sexo da vítima. O que importa é que a pessoa não foi forçada (se foi, será estupro), mas foi iludida, enganada.
O segundo ponto importante é sobre a prescrição.
Existem dois tipos de prescrição e em todos os casos o magistrado deve analisar se um deles ocorreu:
O crime de estupro tem uma pena máxima de 10 anos (se não houver lesão corporal grave ou se a vítima não for menor de 18 anos). Isso quer dizer que ele prescreve em 16 anos. Já a violação sexual mediante fraude tem pena máxima de 6 anos, e por isso prescreve em 12 anos.
A matéria diz que os crimes ocorreram entre 1985 e 2004. Estamos em 2011. Se foi um caso de estupro, apenas o que ocorreu depois de 1995 pode ser punido. Se foi caso de violação sexual mediante fraude, apenas os crimes ocorridos depois de 1999. Tudo o que ocorreu antes, se de fato ocorreu (não sabemos e só a justiça poderá decidir), ficará impune.
Reparem que os 16 anos e 12 anos para a prescrição foram calculados levando-se em conta as penas máximas possíveis para os dois crimes em questão. Mas isso não quer dizer que o acusado será condenado à pena máxima (na verdade, raramente eles são condenados à pena máxima). E dependendo da pena à qual for condenado, o crime já pode estar prescrito. Por exemplo, se ele for condenado à pena mínima de estupro (que é de 6 anos), o que ocorreu antes de 1999 já estará prescrito. E se ele por condenado à pena mínima de violação sexual mediante fraude (que é de 2 anos), a prescrição ocorrerá em 4 anos, o que impossibilita a punição do crime que ocorreu antes de 2007. Ou seja, ele não será preso, já que estamos em 2011 e, segundo a matéria, não houve crime desde 2004.
Mas reparem que a matéria também diz que o suspeito tem mais de 70 anos. Isso significa que todos os prazos para a prescrição caem pela metade. Não importa que ele tinha menos de 70 anos quando cometeu os crimes. O que importa é sua idade na data da condenação (que ainda sequer ocorreu).
Logo, mesmo que ele receba a pena máxima para o crime de estupro (10 anos), a prescrição que normalmente ocorreria em 16 anos passa a ocorrer em 8 anos por conta de sua idade. Como já estamos em 2011, ele só poderá ser punido por um crime ocorrido em 2003 ou 2004. Já se o crime foi de violação sexual mediante fraude, cuja pena máxima é de 6 anos, já ocorreu a prescrição de tudo que ocorreu antes de 2005.
É por isso que é tão importante que as vítimas procurem a polícia tão logo ocorra o crime. Uma outra razão é aquele apontada pelo pastor entrevistado na matéria: depois de tanto tempo, a coleta de provas fica muito mais difícil e tudo o que resta é a palavra das vítimas. E se houver dúvida entre a palavra da vítima e a do acusado, prevalece o princípio de ‘in dubio, pro reo’, ou seja, na dúvida entre as duas versões, aceita-se a versão do réu.